O Capitão Veneno,
«— Tem Vossa Excelência, senhora condessa, o mau destino de albergar em sua casa um dos homens mais intrincados e inconvenientes que Deus pôs no mundo. Não direi que me pareça um completo demónio; mas que é necessário paciência de santo ou gostarmos dele como eu gosto, por lei natural e pouca sorte, para aguentar as suas impertinências, ferocidades e loucuras. Bastar-lhe-á saber que as pessoas frívolas e pouco assustadiças, com quem ele se reúne no Casino e nos cafés, puseram-lhe o cognome de Capitão Veneno ao ver que está sempre com um humor de basilisco e disposto, por dá cá aquela palha, a que todo o bicho-careta lhe parta a cabeça! Preciso desde já de advertir Vossa Excelência, para sua tranquilidade pessoal e garantia de segurança da sua família, que é casto e homem de honra e vergonha, não só incapaz de ofender o pudor de qualquer senhora, mas excessivamente insociável e arisco perante o belo sexo.»
Pedro Antonio de Alarcón.
O Chapéu de Três Bicos,
Uma novela pícara tardia mas fulgurante de Pedro Antonio de Alarcón. A sua história andava pendurada em romances de cordel, recitada em versos das feiras e das praças públicas, obscenizada até à graça que convivia mal com excessos de uma grosseria muito popular.
Alarcón puxou-a para cima e para a decência, fez correr nela uma metáfora. O êxito foi tanto, que ele simulou um tédio. Tinha-a feito no tempo de uma semana, dizia, e muitas vezes sentiu «desdém pela obra pícara que ninguém impugnava», chegou a escrever.
O Chapéu de três bicos é um símbolo da autoridade degradada por modas políticas vindas do exterior, mas a história não ilude um transtorno do Génesis com a serpente chegada de fora, o Adão na árvore, a Eva indiferente à maçã e a substituí-la pelas uvas de uma parreira que não oferece folhas à ocultação da vergonha.
Ao lado, o sistema social e político absolutista saborosamente levado à deformação grotesca. E aragens de uma Espanha e de uma raça que escolhe impensáveis resistências quando vê em jogo os valores da sua identidade nacional.